Artigo

OS IMPACTOS DA INSTALAÇÃO DE ESTABELECIMENTOS PENAIS NOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS

O sistema carcerário brasileiro está em colapso. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2020), a população carcerária no ano de 2019 no Brasil era de 755.274 presos. Ocorre, contudo, que, no mesmo período, havia apenas 449.614 vagas, o que representava um déficit de 305.660.


A evolução desses números é alarmante. Também segundo o Anuário, no ano 2000, a população carcerária no Brasil era de 232.755 presos e, no ano de 2019, era de 755.274, o que configura um aumento de 224%. Essa espiral de crescimento tem pressionado por uma solução. Especialistas e gestores discutem soluções que vão desde a alteração de políticas criminais até a construção de novos estabelecimentos penais, com a criação de novas vagas para desafogar o sistema.


Sem sombras de dúvidas, mudanças em políticas criminais de médio e longo prazos, com a descriminalização de determinadas condutas ou a aplicação de penas alternativas à prisão, seriam mais eficientes e menos custosas ao erário. O encarceramento em massa, com a construção de milhares de novas vagas, não é o caminho mais adequado para resolver o problema da segurança pública no Brasil.


No entanto, não se pode ignorar a realidade que temos hoje: há mais de 300 mil pessoas presas além da capacidade do sistema. No curto prazo, é preciso, sim, pensar na construção de novos estabelecimentos penais, mas com um olhar diferenciado para os municípios, que são os principais afetados com essa decisão.


Um dos primeiros dilemas que envolvem a construção de uma unidade penal é a escolha do local. Embora a responsabilidade pela criação de vagas seja da União e, principalmente, dos Estados, quem sofre os maiores impactos são os Municípios. Infelizmente, não há em nosso país dados, análises ou estudos publicados por órgãos governamentais sobre o assunto. As fontes, ainda tímidas, sobre eventuais impactos causados aos municípios pela implantação de unidades prisionais são fruto, em geral, de pesquisas acadêmicas. É preciso estimular o debate sobre o assunto.


Assim, com o intuito de fomentar a discussão sobre a temática, é possível levantar aqui alguns possíveis impactos positivos e negativos da implantação de um unidade penal em um município. Entre os positivos, é possível citar a melhoria da economia local e um possível aumento na arrecadação do município.


A instalação de unidades penais pode estimular a economia do município. Os estabelecimentos penais movimentam toda uma estrutura em sua volta, com a criação de empregos diretos e indiretos. Serviços que envolvem os próprios detentos (alimentação, produtos de higiene, contratação de advogados etc.), além da necessidade de serviços para atender familiares visitantes e funcionários (hotéis, meios de transporte, restaurantes, farmácias, etc.) movimentam a economia local.


Em meio à estagnação econômica vivida por muitos municípios brasileiros, a criação de unidades penais pode representar um estímulo. Esse foi o caso do município de Pacaembu, no Estado de São Paulo. De acordo com o artigo “Cidades Carcerárias: Migração e Presídios em Regiões de São Paulo”, das autoras Flávia Cescon e Rosana Baeninger, a instalação de uma unidade prisional em Pacaembu movimentou a economia local, com mais taxistas, mais serviços do hospedagem e maior venda de produtos alimentícios.


Em algumas situações, o aumento populacional causado pela instalação de uma unidade penal pode gerar aumento de arrecadação. Vale lembrar que o aumento da população municipal ocorre não só por causa do número de apenados, mas também por causa do número de funcionários (que muitas vezes vêm transferidos de outros municípios) e por causa dos familiares dos apenados (que não raras vezes se mudam para ficarem mais perto de seus entes). Esse aumento pode alterar o coeficiente de arrecadação do Fundo de Participação do Município (FPM).


Ou seja, a depender do tamanho do aumento populacional, o município pode ser beneficiado com o acréscimo da arrecadação, por meio do FPM. Esse foi o caso do município de Tupi Paulista, no Estado de São Paulo. Segundo o artigo das autoras Flávia Cescon e Rosana Baeninger, já citado anteriormente, Tupi Paulista contava com uma população de 13 mil habitantes antes da instalação de uma unidade prisional em seu território, o que representava uma arrecadação no coeficiente do FPM de 0,8% (400 mil reais). Com a construção do presídio, a população cresceu e permitiu que o município passasse a receber dentro do coeficiente de 1%, aumentando a arrecadação para 500 mil reais.


Apesar desses eventuais impactos positivos, não se pode esquecer que também temos possíveis impactos negativos, que, infelizmente, tendem a ser predominantes. Insegurança, agravamento de questões sociais, impactos ambientais e paisagísticos e desvalorização imobiliária estão entre as questões mais sensíveis.


A insegurança e o agravamento de questões sociais são os principais pontos de resistência por parte dos munícipes para a instalação de uma unidade prisional. O preconceito e o estigma social em relação aos apenados é muito grande no Brasil. Assim, o simples fato de haver um presídio no município já abala a sensação de segurança na comunidade. Há receios de fugas e de rebeliões.


Há ainda situações em que os índices de criminalidade aumentam no município, indo além do aumento abstrato da sensação de insegurança. A questão social muitas vezes se agrava, pois a migração de familiares para morar perto dos apenados, geralmente de baixa renda, cria uma rede de serviços informais e incha os serviços públicos locais. Na pesquisa intitulada “Contribuição ao estudo dos dilemas e impactos das unidades prisionais do Pontal do Paranapanema: um estudo de caso do município de Marabá Paulista/SP”, a acadêmica Silvia Aline da Silva afirma que houve aumento do tráfico de drogas e que os serviços de saúde, de educação e de moradia foram afetados pela instalação de uma unidade penal no município de Marabá Paulista.


Os impactos ambientais e paisagísticos com a construção de um estabelecimento penal também são comuns. O funcionamento de um estabelecimento penal por si só implica a produção de esgoto e de lixo. Além disso, a arquitetura carcerária dificilmente está em sintonia com o seu entorno, criando significativa mudança na paisagem. No artigo “Estudo de Impacto de Vizinhança e a Construção de Novos Estabelecimentos Penais: Delineando uma Relação”, o acadêmico Raul do Nascimento cita o caso do município de Paramirim, no Rio Grande do Norte. Segundo ele, a PEP [Penitenciária Estadual de Paramirim] produz dejetos que são jogados no Rio Pitimbu, sem qualquer tipo de tratamento.


Por fim, vale citar que a instalação de unidades prisionais tende a desvalorizar os imóveis em seu entorno. Isso se deve em grande medida pela constante sensação de insegurança e pelo estigma social que sofrem os familiares e amigos que frequentam as redondezas em dias de visitação, o que, em tese, afasta possíveis compradores. Em recente matéria publicada no jornal o Estado de S. Paulo, intitulada “Saiba quais são os fatores que podem depreciar o valor do imóvel”, a proximidade de presídios estava entre os oito maiores fatores de desvalorização de um imóvel no Brasil, segundo especialistas do setor imobiliário.


Vê-se, portanto, que há razão para que os municípios brasileiros tenham resistência para receber estabelecimentos penais. Os impactos negativos superam os positivos. Mas há solução para isso? É possível mitigar os efeitos negativos? Sim, mas é preciso ter criatividade e vontade política.


Não se pretende aqui trazer soluções mágicas, até porque não existem soluções simples para problemas complexos. No entanto, a alteração da legislação vigente em alguns pontos pode ser um ponta pé inicial. Considerando as competências federais, a alteração da Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984), para tornar obrigatória a realização de Estudos de Impacto de Vizinhança antes da instalação de unidades penais, e a alteração da lei que dispõe sobre o Fundo de Participação do Municípios (Lei Complementar nº 91, de 22 de dezembro de 1997), para aumentar o coeficiente de arrecadação do município que tenha uma unidade penal em seu território, são medidas, em tese, viáveis.


O problema está posto, e o debate é urgente!

Eduardo Granzotto - Membro do Observatório de Segurança Pública e Cidadania da América do Sul. Professor do IDP. Consultor Legislativo de Segurança Pública e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com pós graduação em Ciências Criminais e Processo Legislativo. Diplomado pela Escola Superior de Guerra (ESG) no Curso Superior de Política e Estratégia. Mestre em Paz e Segurança Internacional pela King’s College London, na Inglaterra.

“As opiniões emitidas em artigos publicados neste portal, bem como as fontes, imagens e dados compartilhados, são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da OEI ou do IDP.