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IMPUNIDADE, NÃO TRANSPARÊNCIA E INSEGURANÇA

Estudo inédito do Instituto Sou da Paz revela quantos homicídios chegam a fase da denúncia à justiça e diz muito sobre a impunidade penal brasileira. Segundo o levantamento, apenas dois dos 12 estados pesquisados possuem um percentual aceitável de denúncias efetuadas, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina, ambos com cerca de 66% de casos de homicídios remetidos ao judiciário. No extremo oposto está o Pará, com apenas 10% dos casos objeto de denúncia. Na média dos estados, 58% dos homicídios são denunciados.


Esse perfil diz muito das engrenagens do nosso sistema jurídico-penal e de segurança, em termos negativos. Isto porque é universalmente aceita a tese que o principal inibidor do cometimento de crimes é a chance de efetiva punição, i.e. a baixa impunidade.


No Brasil, o mantra é outro, de que a extensão das penas é suficiente para a redução dos delitos, embora a literatura especializada internacional não comprove isso. Da leitura do relatório resta exposta cruamente o descaso da segurança pública em nosso pais. Quinze outros estados ou não possuem dados confiáveis, ou não suficientemente organizados ou, ainda, simplesmente não estão disponíveis publicamente. O que, mais uma vez, corrobora nosso juízo que a segurança pública permanece não-pública e que ela é o reino da não-transparência.


Esse estado de coisas tem raízes históricas, políticas e institucionais. Nossas polícias foram concebidas para a proteção do Estado e das elites, não da sociedade, herança do absolutismo colonial português.


Quando da formação do Estado Nacional, a segurança foi deixada com as elites locais, como parte do pacto que equacionou o embate entre centralização versus descentralização. Cabendo as elites locais prover votos que sustentassem a política das elites centrais, em troca do controle e repressão das contra-elites provinciais.


Isso gerou uma acefalia federativa, com a União sem competências constitucionais na área, donde a impossibilidade de se organizar um sistema nacional de segurança pública, uma política nacional e, claro, um sistema público de dados, estatísticas e informações. Isso foi superado apenas no ano de 2018 com a criação do SUSP, que é um sistema nacional com uma política idem e que tornou lei a produção e publicidade dos dados da segurança pelos estados. Sua implantação, porém, anda devagar, enquanto a impunidade segue impune.


RAUL JUNGMANN – Ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública.

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