Artigo

JOELSON E A FÁBRICA DA VIOLÊNCIA

Joelson tinha 19 anos quando foi detido com meia dúzia de trouxinhas de maconha nos bolsos e algumas pedras de crack. Não portava armas, tinhas duas passagens na delegacia por furto e roubo de bens, sem violência ou sangue. Foi mandado para a penitenciária, em regime fechado. Dois anos depois, passou para o regime semiaberto.


Sem ter concluído o ensino fundamental, e não tendo qualquer formação profissional, Joelson aderiu a uma das facções que dominava a prisão para poder sobreviver. Solto, não encontrou trabalho, nem escola que o aceitasse. Foi então que ele passou a fazer parte do bando de um líder da boca de fumo local, pertencente a facção da qual se tornara membro, como segurança do chefe e, eventualmente, execução de rivais.


Joelson é um dos 400 mil egressos anuais do sistema prisional brasileiro. Durante o tempo que passou preso, ele não teve acesso à educação ou a cursos profissionalizantes. O que, na prática, significa que a função ressocializadora do sistema foi um fracasso.


Como os jovens, negros sobretudo, são maioria, representando 55% dos apenados, poderíamos afirmar que nossas prisões “devolvem” as ruas anualmente 220 mil joelsons, despreparados e sem apoio para mudar de vida.


Admitamos que 20% deles, cerca de 44 mil, tenham a mesma sina, reingressar no crime. Em dez anos seriam 440 mil deles nas periferias e ruas das nossas cidades. Como o seu percentual de retorno a prisão é, na média é de 45%, pode-se ter a dimensão do que o sistema prisional contribui para agravar o nosso crônico problema da violência e da criminalidade.


Mas, Joelson e prisões não fazem parte da agenda nem do debate nacional. São temas interditados. Penas mais duras, mais polícia e armas dominam o noticiário e monopolizam o debate. Parte da sociedade, na impossibilidade da pena de morte, inconstitucional, querem que varram os bandidos das ruas, não tendo a mais remota preocupação com o que se passa dentro das prisões, o “home office” e centro de recrutamento de jovens para as grandes facções que dominam o tráfico, o mercado da morte e a violências das ruas.


Devemos muito as nossas polícias e policiais. Eles precisam de atenção, melhores condições de trabalho, carreira e remuneração. Sobretudo de respeito, base para sua autoestima, o que o projeto de lei em questão não promove.


É como se vivêssemos numa “economia circular do crime”, onde leis, polícias e sistema prisional reciclassem e expandissem a criminalidade que nos assola. Sem soluções para uma juventude fora da escola e sem emprego, 11 milhões, segundo o IBGE, e o que fazer para reformar o sistema prisional e uma política nacional para egressos, seguiremos todos coniventes, conscientes ou não, com uma segurança pública que é parte e motor da violência que nos aterroriza, sequestra, rouba e mata.


RAUL JUNGMANN – Ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública.

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